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Anatomia dos Caninos – Diagnóstico Citológico




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1. ASPECTOS GERAIS

A utilização do diagnóstico citológico baseado na morfologia das células isoladas dos seus tecidos de origem remonta ao século XIX, antes mesmo da invenção dos cortes de tecido em micrótomo. Stanley, em 1833, já utilizava técnicas de punção aspirativa para o diagnóstico de doenças infecciosas, bem como Ronkitansky e Done já obtinham amostras de lesões para exame microscópico com raspado da superfície do tecido lesionado. A introdução do micrótomo, como instrumento para cortes mais delgados (em m ), por volta de 1850, o surgimento de colorações de boa qualidade, como a hematoxilina em 1860, mais a inclusão em parafina, em 1869, aliados à publicação de Die Cellular-Pathologie, em 1858, por Rudolf Virchow, firmaram definitivamente o diagnóstico histológico como prática de rotina para os patologistas (Hajdu, 1977).

A citologia aspirativa por agulha fina, como concebemos hoje, foi introduzida na prática médica por Martin e Ellis, em 1925, no “New York Memorial Hospital”. Retomada após a Segunda Guerra Mundial na Holanda, por Lopez-Cardoso, e na Suécia, por Soderstrom, a citologia aspirativa passou a ser usada comumente no resto da Europa e depois em todo o mundo, com aperfeiçoamentos cada vez maiores na qualidade dos esfregaços e na adaptação de corantes como Giemsa, Romanovsky, e Papanicolau (Frable, 1989).

A primeira referência a respeito da utilização da citologia na prática veterinária é de Cole e Evans que, estudando o ciclo estral em cadelas, na década de 30, incluíram a citologia vaginal como recurso diagnóstico (Cole e Evans apud Roszel, 1977).

A citologia como recurso diagnóstico é simples, rápida, segura, eficaz, e de baixo custo. Além disso, pode ser usada com diferentes técnicas, a punção aspirativa, por exemplo, é uma técnica viável em sítios inacessíveis para a exfoliação, tampouco é invasiva como a biópsia cirúrgica (Suen, 1990). Ao longo dos anos, alguns recursos foram incorporados à prática da citologia, como punções guiadas por ultrassom ou tomografia computadorizada, análise em microscopia eletrônica do material colhido, utilização de citometria de fluxo, e imunocitoquímica (Koss et al., 1984; Lever et al., 1985; Frable, 1989). A tabela 1 resume as vantagens e desvantagens do uso da citologia:

Tabela 1 – Vantagens e Desvantagens da Citologia como Recurso Diagnóstico* :

Vantagens 
Desvantagens 

1. É viável economicamente;

2. As amostras são obtidas por técnicas pouco invasivas;

3. É rápida, com resultados disponíveis em 30 min. ou menos;

4. Pode ser repetida, na maioria dos casos, sem afetar o animal;

5. Oferece bons resultados quando o material é representativo;

6. É útil na triagem de lesões de acordo com a origem do processo: inflamatório, degenerativo, neoplásico.

7. Pode ser usada intrao-operativamente;

8. Oferece material para outros exames: microbiológico, imunocitoquímica. 

1. É uma técnica limitada no diagnóstico de neoplasias cuja histogênese precisa deve ser definida;

2. Complicações podem advir da punção em órgãos parenquimatosos: sangramento, infecção;

3. Requer experiência na leitura dos resultados;

4. Dor (?). 

Adaptado de Suen, 1990 e Morrisson e DeNicola, 1993.

2. TÉCNICA E MATERIAL NECESSÁRIO AO EXAME CITOLÓGICO

A obtenção do material para exame citológico é variada. Em reprodução, o material normalmente é colhido com “swab”, lesões cutâneas podem ser exfoliadas ou puncionadas, amostras de lesões presentes no trato respiratório normalmente são obtidas por lavado traqueal, “imprints” podem facilmente ser realizados em lesões observadas à necrópsia. Mas, a maioria das amostras obtidas para exame citológico em animais domésticos, assim como no homem, é obtida mediante punção aspirativa por agulha fina (Perman, 1979).

Uma discussão frequentemente ocorre nos hospitais, tanto na área médica como veterinária, no que se refere a quem deve ser atribuída a responsabilidade de fazer as punções: aos clínicos ou aos patologistas? Os patologistas argumentam que a visualização macroscópica das lesões é extremamente importante na avaliação da lesão, e os clínicos contra-argumentam que nem sempre é possível contar com um patologista no momento de realizar as punções, o que é particularmente verdadeiro nos lugares distantes dos campi universitários, onde normalmente estão instalados os ambulatórios onde são realizadas as punções. Entretanto, isso não é de modo algum um empecilho à realização da punção, de modo que os clínicos de locais afastados deveriam ser instruídos sobre como realizar por si as punções e remeter as lâminas a um patologista especializado; nos locais onde exista o ambulatório de citologia é conveniente a presença do patologista no momento da punção, passo inicial na definição do diagnóstico (Japko, 1986).

A técnica de punção consiste basicamente nos seguintes passos: 1) delimitar e fixar a área manualmente; 2) puncionar a área delimitada, com uma agulha hipodérmica de 30×7 ou 30x8mm e uma seringa descartável acoplada a um manete (fig. 1), em sentidos diferentes; a pressão negativa exercida pela aspiração é suficiente para desprender material da lesão; 3) após a punção a agulha é destacada da seringa, é repuxado o êmbolo, novamente acoplada a seringa a agulha para então ser despejado o material em lâminas de vidro, normalmente três lâminas por punção, e distribuídos na lâminas com ajuda de uma outra lâmina no formato de “squashes” (Perman, 1979; Koss et al., 1984; Suen, 1990).

Fig. 1. Técnica de punção aspirativa por agulha fina: uma agulha de 30x7 ou 30x8mm acoplada a uma seringa é introduzida na massa e é aplicada uma pressão negativa (A); a agulha é movimentada em direções diferentes dentro da massa para obter uma amostra representativa (B); a pressão negativa é desfeita, a agulha é retirada e destacada da seringa (C). A seguir (D a F) são feitos esfregaços imediatamente (de Ménard et al., 1986).
Fig. 1. Técnica de punção aspirativa por agulha fina: uma agulha de 30×7 ou 30x8mm acoplada a uma seringa é introduzida na massa e é aplicada uma pressão negativa (A); a agulha é movimentada em direções diferentes dentro da massa para obter uma amostra representativa (B); a pressão negativa é desfeita, a agulha é retirada e destacada da seringa (C). A seguir (D a F) são feitos esfregaços imediatamente (de Ménard et al., 1986).

Zajdela et al. (1987) obtiveram bons resultados com o emprego da punção por capilaridade, essa variante consiste na introdução da agulha somente, desprezando a aspiração proporcionada pela seringa, entretanto esta técnica torna-se inviável em lesões de natureza cística ou fibrosa.

Após a realização dos “squashes” as lâminas deverão ser fixadas, estando a escolha do fixador diretamente relacionada à escolha do corante, ou seja, corantes como Papanicolau e HE requerem fixação úmida imediata, à base de álcool, enquanto corantes como Giemsa e Romanovski requerem secagem das lâminas ao ar para posterior fixação em metanol (Sachdeva e Kline, 1981).

Há uma grande variedade de fixadores e corantes utilizados em citologia e um dos corantes que prescindem de preparação prévia é o “ki” Diff-Quickâ , variante do corante de Wright, muito útil para utilização em locais onde a rotina seja pequena o suficiente para tornar inviável a montagem de uma bateria de corante (Rebar, 1979).

Recomenda-se às punções de órgãos parenquimatosos a utilização de recursos de diagnóstico por imagem (Raio X, Ultrassom, etc.), desde que disponíveis; massas na cavidade abdominal ou torácica devem ser completamente delimitadas e caracterizadas em relação à anatomia topográfica local no momento da punção, bem como devem ser considerados todos os fatores adversos, como por exemplo alteração no tempo de coagulação (Frost, 1991).

É essencial que sejam repassadas ao patologista responsável pela leitura das lâminas todas as informações clínicas relevantes, assim como todos os exames antecedentes.

3. RELAÇÃO CUSTO-BENEFÍCIO

Talvez a maior expressão do uso da citologia seja a eficiência dos resultados comparada com o seu baixo custo. Lever et al. (1985) enfatizam que a citologia, em determinados casos, dispensa, o ingresso do paciente no hospital, evita biópsias preliminares e poupa tempo e despesas com o processamento histológico; o mesmo raciocínio se aplica aos hospitais veterinários. Contudo, segundo Hall-Craggs e Lees (1987), resultados negativos, referindo-se especificamente a neoplasias, tem valor preditivo muito pobre e devem ser desconsiderados pelo clínico e acrescentam que alguns achados devem ser vistos com extrema cautela, e justificam que neoplasias vasculares (como os hemangiomas, por exemplo) produzem somente aspirados de aspecto hemorrágico, neoplasias que induzem reação desmoplásica podem simular lesões fibróticas, e tumores necróticos podem destacar somente debris e células inflamatórias. Portanto, clínico e patologista devem avaliar o tipo de lesão apontado pela citologia e se há necessidade de proceder imediatamente à biópsia. Entretanto, Morrisson e DeNicola (1993) sugerem citologia e histopatologia como procedimentos distintos que não precisam necessariamente ser complementares ou, ao contrário, excludentes e sim adotados conforme o caso: a visualização de detalhes citoplasmáticos e nucleares (grânulos, nucléolo), por exemplo, é melhor no exame citológico, ao passo que a definição de margem cirúrgica é mais indicada pela biópsia.

Sintetizando, podemos concluir que a rotina de citologia pode e deve, sempre que possível, incluir a confirmação histológica a posteriori, tanto para garantir um controle de qualidade maior na rotina como para proporcionar ao patologista bases para a formulação de novos critérios de avaliação citológica (Suen, 1990).

4. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO CITOLÓGICA

Alguns cuidados básicos devem ser tomados para a obtenção de esfregaços de boa qualidade, como evitar a presença de sangue em excesso e verificar se a quantidade de material não tornou o esfregaço espesso demais.

Há uma grande variação de critérios para avaliação citológica, mas de forma genérica podemos definir um bom esfregaço como aquele que possui espessura delgada, arquitetura celular a mais preservada possível, penetração do corante e distribuição do material na lâmina uniformes (Koss et al., 1984; Frost, 1991).

Segundo Suen (1990) e Frost (1991), a sequência de exame da lâmina principia pelo menor aumento onde devem ser observadas:

1. a celularidade, ou seja, o aspecto quantitativo;
2. a composição celular, ou seja, o aspecto qualitativo.

Nos aumentos maiores devem ser observados:

1. a morfologia individual das células;
2. o arranjo das células;
3. a composição de fundo (“background”) esfregaço.

Outros critérios mais específicos referem-se à caracterização de malignidade, incluindo o aspecto do núcleo e sua relação com o citoplasma, a perda de coesão entre as células, perda da polaridade nuclear, a frequência e o tipo de mitoses e a formação de estruturas que se aproximem do tecido de origem (ácinos, rosetas, trabéculas) (Koss et al., 1984; Ménard et al., 1986; Wellman, 1990; Morrisson e DeNicola, 1993; Clinkenbeard e Cowell, 1994; Larkin, 1994c).

Lever et al. (1985) e Suen (1990) atribuem a ocorrência de falsos positivos ao diagnóstico baseado em poucas células e às falhas em reconhecer lesões reativas, degenerativas, e metaplásicas; já a ocorrência de falsos negativos envolve desde problemas técnicos (fixação ou colheita de material inadequada) até a inexperiência do patologista.

5. CITOLOGIA APLICADA AO EXAME DO TRATO REPRODUTIVO MASCULINO E FEMININO.

A citologia aplicada ao exame do trato reprodutivo é um capítulo à parte na história do diagnóstico citológico, sendo utilizada, hoje, como rotina na área de reprodução animal. A citologia vaginal tem sido comumente usada no monitoramento do ciclo estral de cadelas, sugerindo períodos ideais para para a cobertura ou inseminação artificial (Thrall e Olson, 1989). Em algumas espécies como cães, gatos e coelhos, as alterações do ciclo estral são bem definidas no aspecto citológico, entretanto esta definição não é vista em bovinos, suínos, e equinos (Miroud e Noakes, 1990).

A presença de infiltrado inflamatório polimorfonuclear pode ser usado como indicativo de anormalidade no sistema genital de cadelas (Allen, 1985), o que não pode ser confundido com alterações fisiológicas, como ocorre no diestro, onde a presença de neutrófilos é marcante (Thrall e Olson, 1989).

Neoplasias podem comumente ser identificadas por exfoliado ou aspirado citológico em pequenos animais, incluindo basicamente o carcinoma de células escamosas e o tumor venéreo transmissível canino (TVT) (Roszel, 1977; Thrall e Olson, 1989). O TVT tem uma importância histórica das mais relevantes por ter sido o primeiro tumor a ser transmitido experimentalmente. Os estudos de Sticker, na virada do século, associaram seu nome, em definitivo, a este tumor, igualmente referido por condiloma canino, linfossarcoma venéreo, granuloma infeccioso, ou mesmo sarcoma de Sticker (Calvert, 1984). A citologia do TVT exibe alta celularidade, onde a presença de células esféricas, com cromatina nuclear grosseira, citoplasma abundante, e vacúolos intracitoplasmáticos são indicativos seguros para o diagnóstico (Thrall e Olson, 1989; Batamuzi e Kessi, 1993).

No macho, a citologia é bastante útil no diagnóstico de afecções prostáticas em cães, a exemplo do que ocorre na área médica, onde as afecções prostáticas são extremamente importantes e onde a sensibilidade dos resultados chega a 91% (Casey e Silenieks, 1988). Nos cães, diferentes técnicas são aplicadas à obtenção do tecido prostático. Kay et al. (1989) sugerem que a colheita do fluido prostático com cateter é mais efetiva no diagnóstico citológico, oferecendo menores riscos de contaminação e com a possibilidade de fornecer material para exame microbiológico concomitantemente; o espectro de afecções prostáticas observado no exame citológico é variado, incluindo alterações inflamatórias, hiperplásicas e neoplásicas.

6. CITOLOGIA DE DERRAMES CAVITÁRIOS

A citologia aplicada ao exame dos derrames cavitários é praticamente uma atribuição dos laboratórios de patologia clínica. Os exames físicos, químicos, e citológicos dos derrames cavitários, permitem ao laboratório clínico classificá-los em transudatos, transudatos modificados e exsudatos, oferecendo base mais segura para o diagnóstico. A exata distinção da etiopatogenia da acumulação de determinado fluido e algumas características morfológicas do material examinado estabelecem uma cooperação entre laboratório clínico e patologia, isto é particularmente marcante em suspeitas de malignidade (Rebar, 1979; Wellman, 1990). Larkin (1994b) sustenta que abdominocentese e toracocentese são procedimentos seguros e simples tanto em grandes como pequenos animais e aponta a a utilidade da citologia na punção abdominal de equinos com cólica.

7. CITOLOGIA NOS PROCESSOS INFECCIOSOS E PARASITÁRIOS

No diagnóstico de um processo infeccioso ou parasitário a citologia pode ser utilizada de diversas formas. A escarificação da lesão para a realização de “imprints” é uma destas formas, sendo uma técnica comum no diagnóstico da Leishmaniose Tegumentar, por exemplo, mas que hoje já está sendo superado pela punção aspirativa por agulha fina, que é mais fácil de repetir e toma menos tempo na identificação do parasito; a presença marcante de formas amastigotas de Leishmania é vista no interior e fora de histiócitos (Al-Jitawi et al., 1995); entretanto, no continente americano, o comportamento deste parasito na Leishmaniose Tegumentar causada pela Leishmania (V.) braziliensis é bem diferente, não exibindo formas amastigotas em grande número, o que torna a pesquisa por formas de Leishmania, em material obtido por punção aspirativa, tarefa difícil a patologistas (ou mesmo parasitologistas) pouco experientes.

O exame citológico de órgãos parenquimatosos é extremamente útil na identificação de agentes infecciosos. Neer (1996) aponta a punção aspirativa do baço como uma das formas de identificação de Hepatozoon canis. Em cães, também é comum a pesquisa de corpúsculos de inclusão na Cinomose e na Hepatite Infecciosa Canina; na primeira, o sítio de eleição é a conjuntiva, embora nos estágios mais avançados da doença o diagnóstico seja frequentemente falso-negativo, e na segunda o sítio de eleição é o fígado, onde os corpúsculos de inclusão basofílicos são encontrados no núcleo dos hepatócitos (Perman et al., 1979).

Em felinos, o diagnóstico citológico de colangite ou colangiohepatite pode ser feito quando a natureza do infiltrado é bem característica: linfocítica (lesão não supurativa) quando o predomínio é de linfócitos, ou neutrofílica (lesão supurativa) quando predominam os neutrófilos (Meyer e French, 1989). Kristensen et al. (1989) alerta para a existência de reações mistas nas hepatopatias em cães e gatos (colestáticas e inflamatórias, por exemplo) que devem ser avaliadas criteriosamente, com o diagnóstico prevalecendo sobre a lesão mais evidente.

Larkin (1994c) sugere a utilização do lavado nasal ou traqueobronquial para o diagnóstico citológico de afecções do trato respiratório em pequenos e grandes animais, onde as lesões, em sua maior parte segundo ele, são de natureza inflamatória (infecção bacteriana primária ou secundária, e infecção fúngica).

O tipo de infiltrado inflamatório, segundo Cowell e Tyler (1989), é um indicativo importante dentro do diagnóstico diferencial, e classificam o processo como supurativo se mais de 85% do infiltrado inflamatório for de neutrófilos, se o predomínio for de macrófagos com raros neutrófilos o processo é considerado granulomatoso, em presença de macrófagos como numerosos neutrófilos o processo é considerado piogranulomatoso, e no predomínio de eosinófilos o indicativo é de um possível processo parasitário, alérgico, ou fúngico.

Outra fonte valiosa na pesquisa de um agente infeccioso são os linfonodos. As linfadenopatias mesmo na ausência de alterações de volume e consistência exibem uma celularidade marcante, ao exame citológico; hiperplasia nodal reativa ocorre em diversos processos infecciosos, tanto localizados como sistêmicos, e quando acompanhada de infiltrado inflamatório pode indicar a natureza do processo (Rebar, 1979b; Rogers et al.,1993).

8. CITOLOGIA APLICADA AO DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIAS

O diagnóstico citológico de neoplasias, desde a sua introdução na citologia moderna por Martin e Ellis (1930), tem evoluído consideravelmente. Em pacientes humanos, a eficiência diagnóstica da citologia, em casos de neoplasia, evoluiu de 60% para até 95% de sensibilidade (Lever et al., 1985; Frable, 1989; Frost, 1991; Suen, 1991). Em veterinária, a concordância diagnóstica observada entre citologia e histopatologia, em casos de neoplasia, varia de 69 a 97% (Griffiths et al., 1985; Ménard et al., 1986; Larkin, 1994b). Harvey (1996) afirma que a citologia, embora não firme o diagnóstico definitivo sempre, pode distinguir lesões neoplásicas de não-neoplásicas e, na maioria dos casos, categorizar as lesões neoplásicas como epiteliais, mesenquimais, ou hematopoiéticas. Rogers et al. (1996) acrescentam que a citologia é importante também intra-operativamente, tanto no exame inicial de massas suspeitas como na avaliação da representatividade de uma biópsia cirúrgica; por extensão, este procedimento pode auxiliar na avaliação da margem cirúrgica de forma superior ao exame macroscópico isolado.

A notificação de neoplasias em pequenos animais deve-se, em grande parte, à convivência destes animais com seus proprietários por toda a vida, além do aspecto afetivo envolvido, observando-se uma diversidade notável de neoplasias (WHO, 1974 e 1976). Em animais de produção, mais especificamente bovinos, cujo enfoque é absolutamente diferente, a notificação de neoplasias encontra obstáculos tanto na escassez de informações clínicas como também pelo fato destes animais irem para o abate antes do período médio de surgimento de neoplasias, ou seja, aos 8 anos de idade (Scott e Anderson, 1992). Dentre as neoplasias mais comumente diagnosticadas e descritas em bovinos estão as neoplasias cutâneas (Scott e Anderson, 1992), entretanto não é frequente a rotina diagnóstica histo/citológica das neoplasias bovinas.

Owen (1991) ressalta os efeitos da idade e predisposição de sexo e raça à maior ocorrência de neoplasias em cães. Dados evidenciam que cães desenvolvem cancer mais frequentemente que a população humana (360 casos/ 100.000 cães vs. 272/100.000 pessoas) (Dorn e Priester apud Owen, 1991); estudos epidemiológicos em cães portadores de tumores de mama (Zaninovic e Simcic, 1991) e linfomas (Greenlee et al., 1990) corroboram essa hipótese.

Assim, diversas técnicas não invasivas passaram a ser utilizadas em medicina veterinária no diagnóstico de neoplasias, quase que exclusivamente em pequenos animais, algumas destas técnicas tem seu uso limitado ou mesmo inacessível em função de seu custo elevado (Rogers et al., 1993). Somado a isto, houve um notável crescimento na oncologia cirúrgica, em pequenos animais, incorporando a citologia como recurso diagnóstico, e houve o surgimento de novas abordagens terapêuticas de animais portadores de câncer (Harvey, 1996). Outro fator importante em oncologia foi o avanço na compreensão do comportamento biológico dos tumores, impulsionado pelos estudos com carcinogênese experimental nas últimas décadas (MacEwen, 1990).

Os critérios citológicos de malignidade, conforme assinalam Clinkenbeard e Cowell (1994), denotam variações no tamanho e forma das células que diferem da população normal do tecido puncionado ou, no caso de lesões benignas, exibem discreta variação, de modo que o pleomorfismo celular acentuado é o critério mais frequente observado em neoplasias malignas.

8.1. Tumores de Células Redondas

Neste grupo, comumente denominado de Tumores de Células Distintas (“discrete cell tumors”) ou Tumores de Células Redondas (“round cell tumors”), estão incluídos: o melanoma, o mastocitoma, o histiocitoma, o plasmocitoma, os linfomas cutâneos, e o tumor venéreo transmissível (Rebar, 1979; Cowell e Tyler, 1989; Wellman, 1990). Estas neoplasias exfoliam bem em preparados citológicos e apresentam citoplasma bem definido, à exceção dos linfomas, e tendem a assumir um aspecto comumente descrito como “debulhado”, devido à sua dispersão na lâmina, o que deve-se à frágil adesão de uma célula à outra (Wellman, 1990). A denominação de Tumores de Células Distintas é uma referência à semelhança cito/histológica observada nestes tumores, embora isto não se aplique ao melanoma, que diverge neste aspecto.

Algumas características peculiares distinguem estes tumores entre si: granulações metacromáticas no mastocitoma, vesiculações intracitoplasmáticas no TVT, pigmentação escura e núcleos exuberantes no melanoma, e os distinguem de outras neoplasias de pele como os carcinomas (Wellman, 1990; Batamuzi e Kessi, 1993; Rogers, 1996).

8.2. Tumores Epiteliais Superficiais

Neoplasias de pele de origem epitelial são comuns nos animais domésticos, especialmente em cães, espécie na qual é baseada a classificação dos tumores de pele pela O.M.S. (WHO, 1974), e incluem basicamente os carcinomas de células escamosas, carcinomas de células basais, os adenomas e adenocarcinomas de glândulas e estruturas anexas da pele. O melanoma, histologicamente, é incluído neste grupo, mas, citologicamente, é classificado como um “tumor de células redondas” (Wellman, 1990).

Os carcinomas, no exame citológico, normalmente exibem uma celularidade regular, mas não debulham facilmente como os “tumores de células redondas”, o mais frequente é a formação de pequenos grupos de células de ovais a esféricas com citoplasma bem evidente, contrastando com os sarcomas que exibem baixíssima celularidade, não formam grupos ou ninhos de células e a forma das células varia de fusiforme a estrelada (Ménard et al., 1986; Cowell e Tyler, 1989; Clinkenbeard e Cowell, 1994).

As células epiteliais são grandes, com uma quantidade de citoplasma moderada ou mesmo abundante e, geralmente, apresentam núcleos arredondados; podem ser malignas ou benignas e de origem glandular ou não glandular, as de origem glandular normalmente exibem vacuolizações citoplasmáticas e a formação de ácinos (Clinkenbeard e Cowell, 1994; Larkin, 1994a).

Os tumores epiteliais comumente vistos na rotina de citologia são o carcinoma de células escamosas, em maior frequência em felinos e bovinos, o papiloma, o adenoma sebáceo e o adenoma de células hepatóides em cães (Cowell e Tyler, 1989; Wellman, 1990).

8.3. Tumores de Partes Moles

Os tumores de partes moles incluem um amplo grupo de neoplasias, essencialmente sarcomas, embora eventualmente alguns carcinomas superficiais apareçam neste grupo; neoplasias linfóides e hematopoiéticas são excluídas desta designação (Graham e O’Keefe, 1993). Os sarcomas de partes moles surgem do mesoderma e são virtualmente encontrados em qualquer sítio do corpo, a sua classificação histológica é feita de acordo com o tecido de origem, quando essa diferenciação inexiste ou é incerta, a referência adequada é “sarcoma indiferenciado” (Pulley e Stannard, 1990; Graham e O’Keefe, 1993).

As apresentações clínicas são bastante variadas, incluindo lesões provocadas pelo próprio tumor (hematúria nos leimiossarcomas de bexiga, ascite nos fibrossarcomas metastáticos do fígado, hemoperitônio nos hemangiossarcomas esplênicos) até síndromes paraneoplásicas desencadeadas pela liberação de fatores circulantes como o Fator de Necrose Tumoral (TNF – “Tumoral Factor Necrosis”) e as Interleucinas (IL) (MacEwen, 1990; Owen, 1991; Graham e O’Keefe, 1993).

Neoplasias de natureza fibrótica como os leiomiomas e fibromas e suas contrapartes malignas, leiomiossarcoma e fibrossarcoma, assim como o sarcóide equino, são muito difíceis de diagnosticar no exame citológico. Reforçando o conceito de que o diagnóstico citológico dos sarcomas de partes moles é difícil, e em certos casos um diagnóstico citológico falso-positivo pode traduzir-se numa grave perda para o animal, como nas suspeitas de osteossarcomas. A confirmação do diagnóstico recomenda geralmente a amputação do membro afetado, de maneira que o patologista em muitos casos desta natureza, não pode prescindir da biópsia para firmar o diagnóstico definitivo (Graham e O’Keefe, 1993; Larkin, 1994a).

8.4. Neoplasias Hematopoiéticas

O diagnóstico citológico acompanhou a evolução das classificações dos linfomas humanos. Os linfomas constituem 5 a 7% de todas as neoplasias de cães, índice comparável somente ao observado em felinos. A ocorrência dos linfomas, em felinos, está associada à Leucemia Felina (FeLV), assim como em bovinos à Leucose Enzoótica Bovina (Larkin, 1994a).

A classificação dos linfomas não-Hodgkin, na área médica, sofreu no mínimo quatro grandes transformações nos últimos anos, com as classificações de Rappaport, em 1967, Lukes-Collins, em 1971, Kiel, em 1981, e Working Formulation, em 1986, todas incorporadas à prática veterinária (Greenlee et al., 1990; Sequeira e Franco, 1992). A mais recente classificação, Euro-Americana, denominada “R.E.A.L. Classification”, data de 1994, não havendo, até o presente, publicação na literatura veterinária indexada referenciando a utilização desta classificação.

Cães e suínos tem sido úteis como modelos de estudo dos linfomas; em caninos tem sido observados os aspectos morfológicos (citológicos e histológicos), fenotípicos e clínicos (Carter et al. 1986; Greenlee et al., 1990; Larkin, 1994a). O aspecto citológico dos linfomas é similar nos animais domésticos, exceto aves, e toma de empréstimo as classificações de linfomas humanos, de modo que em citopatologia veterinária abrange três graus: baixo, intermediário, e alto grau (Carter et al., 1986; Suen, 1990; Wellman, 1990).

A classificação citológica dos linfomas não-Hodgkin, adaptada da “Working Formulation”, é mostrada na Tabela 2:

Tabela 2- Classificação Citológica de Linfomas Não-Hodgkina

Baixo Grau Pequenos Linfócitos
Células Peq. Clivadas
¦ Misto Peq. e Gdes Células
¦ Gdes. Células
¦ Clivado e Não-Clivado
¦
¦
Imunoblástico
¦ Células Peq. Não-Clivadas
¦ Burkitt
Não Burkitt
Alto Grau Linfoblástico (Células Convolutas)

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a Terminologia adapatada da “Working Formulation”. O padrão de crescimento (folicular ou difuso) não é caracterizado na citologia aspirativa por agulha fina. (Adaptado de Suen, 1990).

Nas leucemias, a avaliação citológica da medula óssea é igualmente importante, embora nos casos mais avançados seja difícil distinguir os linfomas em fase de leucemização das leucemias em atividade periférica (Raskin e Krehbiel, 1988).

8.5. Neoplasias de Glândula Mamária

Nos ruminantes, a ênfase dada à patologia da glândula mamária está intimamente relacionada às mastites, já em pequenos animais o foco de atenção maior na glândula mamária são as neoplasias, que são extremamente comuns em cães, compreendendo de 25 a 50% do total de tumores observados nesta espécie (Ferguson, 1985; Zaninovic e Simcic, 1991), e em felinos correspondem a pouco mais de 10% do número total de neoplasias (Hayes e Mooney, 1985). As neoplasias de glândula mamária raramente são vistas em outras espécies, além de cães e gatos. Somente os tumores de mama destas duas espécies são classificados segundo a Classificação Internacional de Tumores dos Animais Domésticos da O.M.S. (WHO, 1974).

A citologia dos tumores de mama em cães e gatos geralmente oferece um bom subsídio ao clínico e ao cirurgião ao assinalar a natureza de uma lesão suspeita, se benigna ou maligna, ou mesmo apontar a presença de alguns componentes que juntos sugerem uma certa diferenciação, como por exemplo a presença de grupos de células lembrando ácinos ou papilas conjuntamente com células mioepiteliais, além dos critérios já mencionados de malignidade, dão indícios marcantes de que possa tratar-se de uma neoplasia maligna da glândula mamária, no caso um adenocarcinoma. Em cães é possível haver tumores em diferentes graus de diferenciação celular, na mesma cadeia mamária (Ferguson, 1985), o que não é visto em felinos (Hayes e Mooney, 1985). Entretanto, Ferguson (1985) alerta sobre um cuidado básico que deve ser tomado na avaliação citológica dos tumores de mama, devido ao fato destes tumores não serem compostos de uma massa sólida e homogênea, tornando-se difícil assegurar, em alguns casos, que as células identificadas no esfregaço sejam da área mais agressiva do tumor, assim resultados negativos ou mesmo sugestivos de uma lesão proliferativa benigna não excluem uma possível amostra insuficiente ou mesmo não representativa da lesão.

8.6. Graduação e Estadiamento de Neoplasias

A graduação de uma neoplasia é uma tentativa de estimar sua agressividade ou o seu nível de malignidade, baseado na diferenciação citológica das células tumorais e no número de mitoses presentes, já o estadiamento das neoplasias baseia-se no tamanho da lesão primária, a extensão da sua disseminação para linfonodos regionais, e a presença ou ausência de metástases (Owen apud Rogers, 1993).

A graduação de uma neoplasia é feita histologicamente, em alguns casos essa graduação pode ser baseada no exame citológico, como são os casos do mastocitoma (Rogers, 1996) e do linfoma (Carter et al., 1986).

Um sistema para o estadiamento clínico dos tumores em animais domésticos foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde em cooperação com Sociedade Veterinária do Câncer (Veterinary Cancer Society – VCS), em 1980. Este sistema (Sistema TNM) é baseado na extensão do tumor primário (T), no acometimento dos linfonodos regionais (N), e na presença ou ausência de metástases (M), a adição de números a estes três componentes indica a extensão da neoplasia. O sistema TNM é muito útil clinicamente, com o prognóstico e a abordagem terapêutica variando de acordo com a extensão da doença (Rogers, 1993). A citologia pode ser utilizada no estadiamento de tumores pela facilidade na punção dos linfonodos e órgãos parenquimatosos sem requerer sedação ou anestesia local.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O diagnóstico citológico, tanto na área médica como veterinária, ainda tem muitos desafios para o presente e para o futuro e o principal deles é conseguir a sua aceitação como um recurso seguro, acessível e confiável. Talvez essa tríade seja a responsável pela grande aceitação do diagnóstico citológico em oncologia, onde o ônus reside não só no aspecto financeiro, mas na abordagem do paciente, que normalmente é bastante invasiva. É notável também a evolução nos critérios de análise citológica, denotando que ainda há muitos detalhes morfológicos a serem percebidos e devidamente incorporados à rotina.

Em medicina veterinária a aplicação da citologia tem se restringido, na maior parte dos casos, aos pequenos animais, ao passo que a facilidade na tomada de amostras para o exame citológico proporciona um valioso auxílio aos veterinários trabalhando a campo. Contudo, a dificuldade também existe nos meios acadêmicos, onde não existe ainda nenhum programa de treinamento voltado para citopatologia, bem como não há, na maioria dos hospitais veterinários do país, ambulatórios de punção.

Alguns caminhos apontam para a utilização cada vez maior da citologia, devido a preservação da célula (que pode ser vista íntegra, praticamente sem estroma , numa condição mais satisfatória que no exame histológico), incluindo análise ultra-estrutural, morfometria, imunocitoquímica, e análise de DNA. Pelo presente, uma história clínica completa, radiografias detalhadas, exames laboratoriais, acompanhamento cirúrgico efetivo e a boa cooperação do proprietário são fatores que harmonicamente ajudam na definição do diagnóstico citológico.

De qualquer forma, o diagnóstico citológico sofreu uma extraordinária evolução ao longo da sua utilização, superando frustrações e constantes recomeços, justificando a frase de Sir Peters (citado por Steven Hajdu): “A célula é a mais importante invenção da natureza e deve maravilhar continuamente qualquer indivíduo de bom senso”.

As referências bibliográficas deste texto podem ser solicitadas diretamente ao autor.
Prof. Raimundo A. Tostes.

RAIMUNDO ALBERTO TOSTES
Universidade do Oeste Paulista
Hospital Veterinário
Serviço de Anatomia Patológica