Saúde Animal

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Por que a Alimentação de seu Amigo é Tão Importante?




caes_logo

destaque_adriana_aquinoA nutrição pet, o Saúde Animal e eu

Há alguns anos (bem poucos! rsrs) quando eu pensava em qual profissão exercer, o amor pelos animais falou bem alto e a decisão foi simples: eu queria ser médica veterinária. Desde os dois anos, quando fiz um trato com meus pais (eu largava minha inseparável chupeta e poderia contar com a companhia do cãozinho que eu tanto queria), os cães e gatos, especialmente, fazem parte de minha vida. Mas já tinha convivido também com peixes, galinhas, cavalos e tantos outros amigos de outras espécies.

Iniciei a faculdade cheia de energia e vontade. Foi logo no primeiro ano do curso, quando tinha as temidas aulas de bioquímica com as suas intrincadas rotas metabólicas, que eu encontrei o meu amor profissional. Entender o caminho que os nutrientes da dieta fazem pelo organismo abriu um mundo novo, uma imensidão de possibilidades. Começava a compreender o significado da célebre frase “você é o que você come!”.

No entanto, lá pelos idos de 1997/1998 (quando esta jornada começou) a nutrição pet ainda buscava seu espaço. Eram poucas as pesquisas sobre o assunto (comparadas a outras áreas da medicina veterinária). Tínhamos dois documentos sobre exigências nutricionais publicados pelo National Research Council um órgão da Academia Nacional de Ciências Americana (National Academy of Sciences): um para cães (de 1985) e outro para gatos (de 1986). Também naquela época, a The Association of American Feed Control Officials (AAFCO) já publicava suas tabelas.

No Brasil, o trabalho apenas iniciava. Alguns profissionais desbravavam este caminho por aqui, entendendo a sua importância. Os primeiros centros de pesquisa surgiam no estado de São Paulo e em Minas Gerais e o Saúde Animal já estava no ar com notícias, curiosidades e muita informação sobre o mundo animal. Entendendo a importância da nutrição para a qualidade de vida dos pets, um dos primeiros artigos aqui do portal falava sobre o assunto.

De lá pra cá, evoluímos muito. Nesses quase 20 anos, o trabalho dos profissionais nas universidades, nas indústrias, nas clínicas e na divulgação de informações contribuiu para a grande disponibilidade de alimentos e para auxiliar os tutores cada vez mais preocupados em fornecer o melhor para seus pets.
Nesta conversa, vamos entender o que faz a nutrição animal tão importante, por que eu me apaixonei por ela e o Saúde Animal já falava dela há quase 20 anos e como ela pode auxiliar na garantia da qualidade de vida dos nossos amigos.

Uma visão geral sobre o papel dos nutrientes no organismo animal

Sabemos que o grande objetivo da alimentação é a obtenção dos nutrientes necessários ao funcionamento orgânico. Assim, nutrir adequadamente- ou seja, alimentar segundo as exigências próprias da espécie, da etapa de vida (filhote, adulto, gestante, idoso), o nível de atividade etc- é indispensável para boa saúde e qualidade de vida. Além disso, pode contribuir para a longevidade animal, a prevenção de certas doenças e é essencial no suporte terapêutico em algumas situações.

Para entender o papel crucial da dieta na saúde é preciso conhecer o que fazem água, proteína, carboidrato, lipídeo, vitaminas e minerais.

A água é o maior componente da maioria dos tecidos e dos fluidos do corpo. Sabemos que sua ingestão diária é essencial para a sobrevivência. O organismo animal consegue suportar a perda de quase toda a sua gordura e de mais de metade de suas proteínas, mas perder 10% de água é risco iminente de morte. Isto porque ela exerce funções no transporte de oxigênio e nutrientes para as células, na secreção de enzimas, na termorregulação, excreção entre outras. A manutenção de um meio aquoso é essencial para a ocorrência de diversas reações químicas e o consumo deve sempre superar as perdas naturais que ocorrem na urina, nas fezes e na respiração. A água presente nos alimentos, a ingerida e a proveniente do metabolismo são as fontes e devemos sempre disponibilizá-la limpa e fresca para os nossos pets.

Carboidratos, lipídeos e proteínas serão os responsáveis pelo fornecimento de energia. Todo o organismo precisa dela para manter seus órgãos, seus sistemas funcionando adequadamente. As plantas conseguem produzir a energia que precisam através da radiação solar no processo denominado fotossíntese, mas os animais a obtém a partir dos alimentos.

Os carboidratos são os principais constituintes das plantas. Formados por carbono, hidrogênio e oxigênio compreendem os monossacarídeos- que contém apenas uma unidade formada por 3 a 7 carbonos- e onde estão incluídas a glicose, a frutose (açúcar presente nas frutas) e a galactose; os dissacarídeos que são a união de duas dessas unidades e incluem a lactose (açúcar do leite), a maltose e a sacarose (açúcar de cana); e os polissacarídeos que são carboidratos mais complexos, formados pela união de vários monossacarídeos. O amido é um exemplo.

O carboidrato complexo, consumido pelo animal, passará pelo processo digestivo, onde será hidrolisado (“quebrado”) em unidades menores capazes de serem absorvidas e utilizadas pelo organismo como fonte de energia (no metabolismo).

Já os lipídeos constituem um grupo bastante heterogêneo. Incluem os triglicerídeos, ceras, colesterol entre outros. As pessoas costumam ter uma imagem negativa deste nutriente que, em excesso, pode causar problemas. No entanto, a sua escassez também é prejudicial. Isso acontece porque eles exercem papeis importantes no organismo: atuam como fonte de energia, como isolantes térmicos, componentes estruturais (fosfolipídeos e glicolipídeos estão presentes na membrana das células), transporte de nutrientes e metabólitos, precursores de certos hormônios (caso do colesterol) e absorção adequada de nutrientes. Os ácidos graxos que fazem parte da estrutura desses nutrientes apresentam funções metabólicas importantes e alguns deles são essenciais- o que significa dizer que não podem ser sintetizados pelo organismo e são obrigatórios na dieta. Quem nunca ouviu falar dos famosos ômega -3?

Por fim, proteínas também têm numerosas funções: são estruturais (e compõem pêlos, unhas, tendões, ligamentos, cartilagem), participam da contração muscular, são enzimas e hormônios (participando das reações metabólicas e do controle das funções orgânicas), fazem transporte de oxigênio e gás carbônico, compõe o sistema imunológico, regulam o equilíbrio ácido-base entre outras. Elas são compostas por aminoácidos. Cerca de 20 deles compõem as proteínas em diferentes combinações. É como eles se fossem letras do alfabeto que combinadas das maneiras mais diferentes criam palavras (proteínas) diversas que executam funções específicas. Alguns desses aminoácidos também são essenciais, ou seja, precisam ser obtidos diretamente da dieta. Gatos, como animais carnívoros estritos, tem alta exigência proteica e também necessitam de alguns aminoácidos específicos.

Os minerais são elementos inorgânicos fundamentais para o organismo. Cálcio, fósforo, sódio, potássio, cloro, magnésio, enxofre, ferro, iodo, zinco, manganês e selênio são alguns dos que tem exigências estabelecidas para cães e gatos. Vamos conhecê-los um pouco mais.

Cálcio: Além de sua presença no esqueleto (cerca de 99% dele está lá), atua em funções de vital importância como a transmissão do impulso nervoso, a contração muscular, a coagulação sanguínea , a ativação de sistemas enzimáticos e permeabilidade da membrana celular. Sua deficiência causa alterações esqueléticas como o raquitismo, mas deformidades ósseas podem ocorrer em animais que recebem um excesso deste mineral. No passado, dietas caseiras desbalanceadas (muito pobres em cálcio e ricas em fósforo) faziam com que fosse comum uma doença metabólica chamada hiperparatireodismo secundário nutricional. Anos mais tarde, a suplementação sem critério, especialmente em cães de raças grandes e gigantes, fez com que quadros de deformidades começassem a se tornar comuns. Por isso, consulte sempre um profissional para definir a dieta adequada ao seu cão/gato.

Fósforo: a maior parte dele também está no esqueleto (cerca de 80%), mas é presente no DNA e no RNA, nos compostos de alta energia (como o ATP) e é fundamental na ocorrência de inúmeras reações metabólicas. Sua deficiência afeta o esqueleto e seu excesso causa deficiência de cálcio.

Magnésio: também presente no esqueleto, mas, além dessa função estrutural, participa de uma série de reações no metabolismo de carboidratos e proteínas. Sua deficiência causa calcificação de tecidos moles e alterações ósseas. O excesso pode ser um dos fatores para o desenvolvimento de doença do trato urinário inferior em felinos.

Potássio, Sódio e Cloro: Esses minerais costumam abordados em conjunto pela função que exercem na manutenção do equilíbrio da pressão osmótica. O potássio (principal cátion no meio intracelular) auxilia na transmissão dos impulsos nervosos e na contração muscular; o sódio (principal cátion no líquido extracelular) atua com o potássio para manter a irritabilidade normal das células nervosas; e o cloro (que representa 2/3 dos ânions presentes no líquido extracelular) auxilia no equilíbrio hídrico e ácido base, além de ser necessário para a formação do ácido clorídrico que está presente no suco gástrico.

Enxofre: é necessário para a síntese de uma série de compostos (hormônios, componentes das articulações etc). Também faz parte de aminoácidos e de reguladores do sistema antioxidante do organismo. Intervém no transporte dos aminoácidos através das membranas e é constituinte de duas vitaminas do complexo B, a biotina e a tiamina.

Ferro: O ferro está presente em todas as células do organismo, mas sua maior concentração ocorre nas hemácias (hemoglobina) e nos músculos (mioglobina). A hemoglobina é uma molécula que transporta oxigênio dos pulmões aos tecidos e a mioglobina oferece oxigênio para as células musculares. Sua deficiência pode causar anemia.

Cobre: é muito relacionado ao metabolismo do ferro. Está associado a muitas enzimas participando de várias atividades metabólicas. Também tem um papel no desenvolvimento do esqueleto. Sua deficiência causa alterações de crescimento e anemia. Algumas raças de cães (Pinscher, Cocker Spaniel e alguns Terriers) podem apresentar uma anomalia genética que interfere no metabolismo desse mineral provocando seu acúmulo hepático.

Zinco: por ser cofator em diversas enzimas influi no metabolismo de carboidratos, proteínas, lipídeos e ácidos nucleicos. Muito associado à saúde da pele. Sua deficiência pode levar a despigmentação e atraso no crescimento, enquanto seu excesso interfere na absorção de cálcio e cobre levando a deficiência deles.
Iodo: Essencial para a formação dos hormônios da tireóide (que regulam o metabolismo). Sua deficiência leva ao bócio.

Selênio: Associado a enzimas do sistema antioxidante, protegendo as membranas celulares. Sua deficiência altera a reprodução e pode levar a lesões cardíacas e problemas no esqueleto. Seu excesso pode lesar os rins, o fígado e o coração.

Para concluirmos esta breve apresentação sobre a importância dos nutrientes, vamos falar das vitaminas. Essas são moléculas orgânicas que são necessárias em pequenas concentrações no organismo, mas que participam de funções vitais. Estão divididas em dois grupos dependendo do seu caráter lipofílico (A, D, E e K) ou hidrofílico (vitaminas do complexo B e C).

A vitamina A é importante para a saúde da pele e das mucosas. Interfere no desenvolvimento dos dentes e do esqueleto e com a boa função dos olhos; a vitamina D é associada a absorção de cálcio e fósforo; a E é um antioxidante e a K participa ativamente da cascata de coagulação sanguínea.

No complexo B estão as vitaminas B1, B2, B3, B5, B6, B12, ácido fólico, colina e biotina. Elas estão diretamente envolvidas em reações metabólicas. Já a vitamina C, além de antioxidante, participa da formação de colágeno.

Essa viagem bem rápida pela nutrição animal nos leva a tecer uma ideia bem clara de sua importância, não é? A seguir, vamos entender como a nutrição está sendo usada como ferramenta para construir uma vida saudável para os pets.

Como a nutrição contribui para longevidade e qualidade de vida?

Nos últimos anos, uma atenção muito grande tem sido dada à nutrição como ferramenta para obtenção de uma vida mais saudável e mais longa. Muitos documentários, muitos artigos têm sido produzidos e as pessoas têm procurado profissionais para prescrever suas dietas. Com a grande proximidade existente entre homens e seus animais de estimação não poderia ser diferente com os pets. Os tutores querem estender o cuidado a eles.

Alimentar para atender as exigências nutricionais da espécie na fase de vida em que ela se encontra, de acordo com o nível de atividade que ela tem (o que se alcança com formulações e quantidades apropriadas para o animal) e manejar a dieta da forma adequada (administrar as refeições respeitando o comportamento alimentar da espécie) fazem parte do processo.

No entanto, algumas outras estratégias têm sido usadas nesta busca por melhor qualidade de vida e, dentre elas, o uso de alimentos com função antioxidante e de moduladores de microbiota intestinal (como probióticos e prebióticos) têm ganhado espaço.

Vamos falar um pouquinho de cada um delas.

Os antioxidantes

Enquanto os animais vivem (respirando) uma série de substâncias potencialmente deletérias (os radicais livres) estão sendo formadas no corpo, seja durante as atividades do sistema imune, os processos de destoxificação no fígado ou no metabolismo. Se não houvesse um mecanismo orgânico que os neutralizassem a morte seria precoce.

Dessa forma, a longevidade é inversamente proporcional às lesões no DNA, proteínas e lipídeos causadas por essas substâncias, ao longo da vida. Potencializar o sistema antioxidante orgânico pode ajudar a melhorar este balanço.

Muitos nutrientes estão envolvidos nos sistemas antioxidantes. As vitaminas E e C, o beta-caroteno (um precursor da vitamina A), a taurina (um aminoácido), o selênio (um mineral), a L-carnitina entre outros.

A microbiota intestinal

Outro assunto que também tem recebido bastante atenção nos últimos tempos é a modulação da microbiota intestinal. Quem nunca ouviu falar de lactobacilos vivos ou sobre como a regulação do intestino pode interferir com a saúde dos indivíduos?

A verdade é que um ecossistema rico e complexo habita este órgão e existem lá bactérias denominadas benéficas (como lactobacilos e bifidobactérias) e outras “potencialmente patogênicas”, ou seja, aquelas que estão lá e não causam nenhum mal se o ecossistema estiver equilibrado, mas que podem causar doenças se há imunossupressão ou quando ocorre desequilíbrio.

O que acontece é que as populações chamadas de benéficas ao utilizarem fibras de fermentabilidade moderada produzem subprodutos metabólicos- os ácidos graxos de cadeia curta (ácido acético, ácido propiônico e ácido butírico). Eles podem ser utilizados pelas células intestinais como fonte de energia, estimulando o seu crescimento o que gera uma série de benefícios secundários para a saúde geral, como a melhora de aproveitamento de alguns nutrientes da dieta, por exemplo.

A modulação é realizada através da suplementação com as bactérias vivas (chamadas probióticos) ou pelo fornecimento de fibras específicas para serem consumidas por elas. É importante salientar que as populações microbianas são espécie-específicas, ou seja, as espécies que habitam o intestino do ser humano, do cão, do gato, do cavalo são próprias para cada uma delas.

Esta estratégia tem sido utilizada tanto para animais saudáveis como em suporte terapêutico em algumas situações.

Então, por esta pequena introdução à nutrição e sua importância, percebe-se que, atualmente, o grande objetivo na nutrição animal não é apenas alimentar com algo agradável ao paladar para proporcionar ao organismo os nutrientes necessários à sua manutenção, mas sim, aliar esses fatores à boa saúde, longevidade e qualidade de vida. Ela pode ser uma ferramenta no retardo dos processos naturais do envelhecimento, ajudando a evitar o aparecimento de doenças a ele relacionadas. Sob este conceito, alimentar-se bem significa evitar a ocorrência de doenças nutricionais, mas também minimizar os riscos de aparecimento de outras patologias que, embora não diretamente induzidas pela má nutrição, podem ser prevenidas quando se utiliza uma alimentação adequada e de boa qualidade. Diversos nutrientes e diversas possibilidades de manejo nutricional estão à disposição para proporcionar o melhor para cães e gatos. A consulta a um profissional nutricionista/nutrólogo pode ajudar a colocar todo este conhecimento a serviço dos nossos amigos.

Adriana Aquino
Médica Veterinária, Dra. em nutrição de cães e gatos.